Quero ser um bébé

Ser livre para ter dúvidas

1 Setembro, 2016

Achamos que temos certezas, que se um dia nos acontece a nós, faremos assim com toda a certeza. Achamos que não vamos ter dúvidas, que nunca hesitaremos na decisão. Achamos que o nosso coração nunca se vai sobrepôr à razão. Mas depois vivemos a situação, estamos no meio da angústia e temos que tomar decisões. E surgem então as dúvidas, os medos e as perguntas. Surgem os nervos, lembramos histórias que as amigas nos contaram, lembramos lágrimas que as amigas verteram. Pensamos muito, imaginamos cenários, vemos o futuro e temos muitas dúvidas.

Apesar de acharmos que temos certezas, não nos passa pela cabeça um dia termos que decidir se interrompemos uma gravidez ou não. Apesar de termos votado a favor da legalização da interrupção voluntária da gravidez, porque queríamos que as mulheres e as famílias pudessem decidir livremente sem correrem riscos de saúde ou incorrerem numa ilegalidade, não pensamos que um dia podemos ter que ser nós a usufruir dessa liberdade. Porque, apesar das certezas, tomar uma decisão de interromper uma gravidez não se faz de ânimo leve, não se faz sem antes se terem dúvidas, não se faz sem antes se pensar em toda a nossa vida.

Estive com dúvidas se estaria novamente grávida. O meu corpo alterou-se hormonalmente, atrasou-se, descontrolou-se. E pensei que poderia ser uma gravidez. Afinal já tinha ouvido falar de gravidezes descobertas aos cinco meses sempre com o período. Nesses dois dias, até fazer uma ecografia, não tive certezas. Tive dúvidas. Muitas.

Senti-me grávida e com três filhos para criar. Pensei que era só mais um. Que já tinha tudo. Que o carro daria para mais uma cadeira. A casa para mais uma cama. A família daria para mais um filho. Imaginei-me grávida e com três filhos para criar. E senti-me cansada, já no final de uma gravidez, com um filho ainda de colo e três andares sem elevador para subir, horários para cumprir e duas filhas a entrar na escola primária. E fiquei cansada.

Pensei que até conseguiria, que a energia surgiria em cada momento feliz e sorridente a seis. Lembrei-me de várias famílias que tinham quatro filhos ou mais e conseguiam. Lembrei que o meu positivismo me tem ajudado tanto na vida, era só mais uma vez. Recordei todas as vezes em que não havia mais que meia dúzia de euros até ao fim do mês, em que tive que pedir dinheiro aos amigos. Lembrei da ginástica que temos que fazer para conjugar os tempos. Tive medo daquelas semanas em que não conseguiria dar conta do recado e o pai tivesse que trabalhar menos ou quase nada para os levar e trazer, porque eu estaria muito grávida.

Aos poucos fui pensado que o melhor era mesmo não levar uma possível gravidez para a frente. Mas junto com estes pensamentos lembrava-me de tantas amigas, tantas, que tiveram uma gravidez interrompida, mas involuntariamente, sem querer, sem decidir. E o trauma e as marcas que isso lhes deixou. E a tristeza que esse momento lhes trouxe. Tive pena delas e fiquei triste. Achei que não era justo. Senti culpa.

Mas um dia, um momento, o meu bebé caíu. Com a cabeça no chão. Chorou tanto, fez um hematoma gigante na testa. Ao meu colo, tratei dele. Abracei-o muito. Dei-lhe muitos beijinhos, enquanto lhe cantava segurando em gelo. Ele precisava tanto de mim. E eu estava ali só para ele. E conseguia. E com ele já mais calmo, a recuperar do susto e do choro descontrolado, lembrei-me que tinha dúvidas e nesse mesmo instante, deixei de as ter. Senti que não iria conseguir. Senti que não era a idade ou a falta de dinheiro que me fez ter a certeza. Foi olhar para os meus filhos e eles precisarem tanto de mim. Precisarem do meu tempo. Da minha paciência. Da minha energia. Senti que não tendo sido uma decisão planeada, não iria apenas aceitar. Porque não me sentia capaz.

As suspeitas não se confirmaram e eu afinal não tive que decidir.

Ao longo da vida tomamos decisões: de querer ter filhos, de os ter, de ter muitos filhos ou de não os ter. De os ter tarde, de os ter cedo, de aceitar os imprevistos e seguir em frente, ou de não deixar avançar uma gravidez porque não foi planeada. Nessas decisões há muitas pessoas que nos percebem ou que, mesmo não entendendo, nos apoiam. Mas mais importante que os abraços das pessoas à nossa volta, é a nossa consciência estar tranquila e em paz. E saber que a liberdade de escolha é o maior aliado para que a tristeza não tome conta da nossa mente. Porque no coração, ficará sempre um bocadinho.

  • Responder
    Sandrine
    2 Setembro, 2016 às 10:05

    Belas palavras…
    Como tu também já me vi na angústia e incerteza de uma possível gravidez não planeada…deu negativo o teste!
    Aquando da gravidez das gémeas a minha obstetra falou em fazer a laqueação logo na cesariana, caso eu assim o entendesse, mas isso chocou-me! Credo…ainda sou nova! Para já não quero mais filhos mas…nunca se sabe!! Não fiz!! Hoje morro de medo de uma futura gravidez, até porque, por vezes, raras vezes mas acontece, esqueço-me de tomar a pílula! Não considero um grande problema, porque infelizmente, desde o nascimento das gémeas, o cansaço é tanto que o apetite sexual diminuiu drasticamente 🙁 …mas ainda assim há sempre um risco ainda que mínimo! Aliás nunca engravidei à primeira, e se tive meses a fio sem engravidar sem a pílula, porque raio haveria de engravidar caso me esqueça de uma…ah, pois é, mas “azares” acontecem e poderia muito bem acontecer!
    Por vezes penso que gostaria de ir ao 4º, tentar o rapaz, o Samuel…ainda há poucos dias sonhava que fazia uma ecografia para saber se estava efectivamente grávida e se era o meu “rapaz”…ai estas mentes!! Depois penso … na minha saúde (tenho uma doença crónica e pondero sujeitar-me a uma intervenção cirúrgica aos pés), no meu pouco tempo disponível para as minhas filhas e para mim própria, no meu cansaço diário, no custo financeiro de mais um lá em casa e em todas as mudanças que isso implicaria (se neste momento não consigo poupar nada, não sei como seria)…depois de pensar nisso digo que não, conscientemente não quereria mais filhos! Mas e se o destino me pregasse uma partida o que faria? O que teria feito se o tal teste desse positivo? IVG? Não conseguiria…passei por uma perda gestacional entre a minha mais velha e as gémeas e custou-me horrores ultrapassar o momento, acho que só a nova gravidez me ajudou! E porque razão aquele ser, não teria o mesmo direito de ser amado como as irmãs são?? Dar para adopção?? Não conseguira…passar por 40 semanas de gravidez em que nos afeiçoamos a um ser que não conhecemos, em que nos preocupamos com o seu bem estar, em imaginamos as suas feições e depois dá-lo?? Não… Assim…espero não ter nenhum acidente de percurso porque se isso acontecer, esse “acidente” nascerá e será amado como as manas, com todas as alegrias e dificuldades que possa, daí advir!

    • Responder
      mamã cereja
      3 Setembro, 2016 às 7:41

      Obrigada por este comentário tão íntimo! Tal como tu, tambêm eu sou uma desgraçar a esquecer-me de tomar a pílula, vou colocar o dou. E tu, não pensas em fazê-lo?

      • Responder
        Sandrine
        5 Setembro, 2016 às 9:35

        Até hora não ponderei bem essa hipótese…alguns provocam efeitos secundários indesejáveis, tais como aumento de peso (qual a mulher que gosta de se sentir mais gorda ;)??), aumentos do fluxo menstrual (se eu só tenho 2/3 no máximo de RED, vou sujeitar-me a andar com ele uma semana??), dores de cabeça (tenho enxaqueca com alguma frequência e só de pensar em ter mais, não obrigada!! 🙂 )…posto isto, acho que não quero o DIU!!

        • Responder
          mamã cereja
          6 Setembro, 2016 às 12:07

          Pois, mas nem toda a gente reage da mesma forma, também tenho esse receio, mas prefiro experimentar que eu sou um horror a esquecer-me da pílula 🙂 Beijinhos.

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