Cerejices Quero ser um bébé

Quando temos medo de não conseguir

29 Abril, 2015

Ainda hoje, três meses depois, me perguntaram como reagiram as cerejinhas à chegada do mano. Posso dizer que, três meses depois, tudo está sereno e doce.

Tive medo de não conseguir dar atenção e carinho aos três ao mesmo tempo, a duas miúdas com três anos e meio, na fase crítica das birras e depois de uma mudança de escola, e a um recém-nascido, um bébé a crescer todos os dias muito. Tive muito medo de não ter forças, de dormir pouco, de ficar exausta, de não ter paciência, de desesperar.
E afinal tinha razões para ter medo, porque passei por todos esses estados depois do miúdo nascer. Até antes, quando no final da gravidez não conseguia vesti-las, deitar-me ao lado delas, passear, fazer as coisas que fazíamos só as três.

Desde que fui mãe que quase tudo no meu dia as envolve. Não faço só o que elas gostam e querem, faço o que tem que ser feito e elas são incluídas na rotina da família, seja para ir ao supermercado, seja para ir às finanças, seja para não ir a lado nenhum. Não há família perto e, por isso, nunca tive onde as deixar (embora tantos amigos me tenham dito que as podia deixar lá, que não havia problema), o que significa que andamos sempre todos juntos para todo o lado.

No final da gravidez, comecei a senti-las mais longe de mim. Já não as ia levar e buscar à escola todos os dias, já não ia com elas à ludoteca, ao pinhal, ao parque, tantas vezes como antes. A paciência era muito pouca para comigo e para com elas. Preocupava-me muito como seriam as horas do parto, onde ficariam, e se fosse a meio da noite como havíamos de fazer. Não podia ter pedido a melhor amiga para ficar com elas naquelas oito horas de parto e até o pai cerejo estar livre. Como diz a minha amiga, foi giro, ela e o marido foram país de gémeas por umas horas e parece que correu bem. Tenho-lhes uma imensa gratidão por terem tratado tão bem das minhas meninas naquele dia tão especial em que nasceu o mano.

O pai cerejo é um pai muito muito presente. Elas têm a sorte de serem meninas do papá. E eu tenho a felicidade de poder ver isso todos os dias. Naqueles três dias em que estive na maternidade, e como calhou no fim-de-semana, estiveram o tempo todo com o pai. Deitaram-se muito muito tarde, viram muitos filmes e vídeos no YouTube, desarrumaram muito, mas tiveram muito colinho e miminho. E eu lá, com o moranguito ao lado e morta de saudades delas, dele. Ao telefone, contavam-me o que tinham feito e a cerejinha L dizia que tinha saudades minhas e perguntava “porque é que ainda não estás em casa?”.

Quando fui para casa, custou-me muito querer tratar e brincar com elas, e estar presa, a amamentar. Foi um processo difícil de aceitar: eu não gosto especialmente de amamentar, parece-me uma prisão, não acho que traga mais vínculo que o biberão…mas já que tinha leite e poucos euros, investi na amamentação e agora o J só bebe leite de lata antes de ir dormir (sim, que isto de ter sido mãe de gémeas, traz alguma sabedoria, que assim o garoto dorme a noite seguidinha e eu descanso… o meu bébé não dá más noites…dorme pouco de dia, mas de noite é um santinho).

Estava tão ansiosa por voltar a recuperar a relação especial com elas, que passava a vida a pedir ao pai cerejo para ver se “hoje consigo ser eu a deitá-las”. E quando ao fim de uma semana consegui ser eu a fazer o ritual de adormecer, a cerejinha J desata num pranto que queria o papá. Sentida e quase em lágrimas lá o fui chamar, que a miúda não se acalmava. A cerejinha L também o chamou e eu fui para ao pé do moranguito…chorar. Fiquei tão triste e desesperada. E perdida no meio de tanta hormona. Foi muito difícil ser rejeitada pela minha filhota. O pai cerejo dizia que não devia dar tanta importância, que era uma fase passageira, que tudo ia voltar ao normal. Uns dias depois voltei a conseguir estar presente na hora de dormir e ela voltou a pedir o pai. E eu não aguentei, desatei a chorar compulsivamente ao lado dela, a dizer que estava ali para lhe dar miminhos na hora de dormir e ela não me queria, que eu tinha muitas saudades dela e ela não me queria. Ela pediu-me desculpa e adormecemos abraçadas. Fui o mais anti-tudo o que se deve fazer com crianças, mas não me consegui controlar. Eu estava mesmo desesperada, morta de saudades delas, estavam ali ao meu lado, mas tão longe de mim. Chorei muito, muito. E uma noite, mais tarde e nem sei bem já porquê, lembro-me de me ter passado pela cabeça que estava arrependida de ter embarcado nesta viagem de ser mãe de três filhos. Juro que senti isso, juro. Porque tive muito medo de não conseguir ser boa mãe de três, de não conseguir dar conta do recado. Pensei que tinha estragado tudo, a nossa relação, o nosso tão bom bem-estar. Pensei que mais um filho traz muita coisa boa, mas podia tirar também muito do que tínhamos de bom. E no fim pensei que estava a ser uma parva e quase que me esbofeteei por ter estes pensamentos tão parvos…mas inevitáveis.

Com o passar dos dias, tudo foi melhorando, foi sendo mais fácil, a rotina voltou, passei a gerir melhor os tempos, tudo ficou mais sereno em casa. Elas reagiram muito, muito bem ao mano. A cerejinha L sempre muito protectora e maternal, muito física e muito presente nas tarefas com o mano. A cerejinha J ao início não lhe tocava, falava para ele e tal, mas não lhe interessava muito o mano. Agora, sinto que são super cúmplices, ele desfaz-se em sorrisos quando a vê, ela conversa muito com ele, gosta de brincar com as bonecas ao lado dele, faz-lhe caretas e adora ver a reacção dele, são muito engraçados os dois juntos. A cerejinha L continua sempre muito protetora e preocupada com ele. Se há coisa que me enche o coração é vê-los aos três juntos.

Recuperado o bem-estar em casa, precisava de voltar a fazer coisas com elas na rua. Todos os manuais aconselham a integrar os manos mais velhos nas tarefas que envolvem o bébé recém-chegado, como por exemplo, ir comprar as primeiras roupinhas, ajudar a dar banho, ajudar a preparar o quarto. Sim, fiz isso tudo e elas participaram e adoraram. Mas do que elas gostaram mesmo foi de voltar a estar só com a mãe, sem o mano, durante umas horas, a fazermos as nossas coisas. Um dia, o pai cerejo ficou com o J e eu fui buscá-las à escola. Fomos à frutaria da Catarina e à churrasqueira do Nuno comprar um frango para o jantar, andámos aos saltinhos na rua, corremos e brincámos muito e eu devo ter dito tantas vezes “hoje estamos só as três!!!!!” que a cerejinha L uns dias depois, quando fomos ao café lá abaixo por uns breves minutos, não parava de dizer “estamos só as três, mamã!!”.

Hoje, três meses depois, posso dizer que está tudo como estava, melhor ainda, temos mais amor e momentos bons. Ainda assim, continuo a ter medo de não conseguir dividir-me ou multiplicar-me pelos meus três lindos filhos e um lindo unido-de-facto.

 

  • Responder
    Marta Evora
    30 Abril, 2015 às 11:49

    Como eu te compreendo em cada palavra que escreves. Passei e passo pelo mesmo. E qdo regressei da maternidade, e após 3 dias com o pai, a minha filhota fez exactamt isso – a nossa cumplicidade na hora de dormir parecia que tinha desaparecido e agora era o pai que tinha tomado esse meu lugar. Chorei desalmadamente e pus em causa tudo “o que fui eu fazer?!”. Na segunda noite nao me controlei e chorei junto a ela tal como tu! Ela abraçou-se a mim, como que a fazer as pazes cmg e adormecemos juntas a sorrir.

    • Responder
      mamã cereja
      1 Maio, 2015 às 11:44

      Tal e qual!!! Afinal, passamos quase todas pelo mesmo…beijinhos

  • Responder
    pilar
    29 Abril, 2015 às 18:22

    Provavelmente eu, na tua situação, teria-me dado à bebida, mas sei o que é a rejeição de uma filha e digo-te já que eu chorei, e não pouco. Como sabes acabar a tese implicou que a minipi fosse passar umas temporadas com o pai e os avós enquanto eu só estava com eles, os dois, fins de semana alternados. Foi um sacrifício muito grande para todos, mas a minipi, que não me rejeitava quando me revia, bem pelo contrário, tinha uma papite total. Lembro-me um dia no Continente em Coimbra que ela fez um berreiro tão grande quando o pai a pôs nos meus braços que as senhoras todas me olharam com a certeza que eu era a namorada do José e que aquela não era a minha filha, mas sim da mulher que ele abandonara por mim – digamos, telenovela na minha cabeça – e eu no meio do Continente comecei a chorar abraçada a ela. Uma vergonha, muito, muito grande. E isto aconteceu várias vezes. A leonor pedia dezenas e dezenas de vezes pelo pai e eu sentia-me a pior das mães. Mas sabes, isso passou, e agora entre os 3 brincamos com isso. E como sabiamente me disse a minha sogra, mãe de 4 que tinha de os deixar no verão com a mãe para poder trabalhar de sol a sol, tu serás sempre a mãe e não deves culpar-te a ti, nem a criança. A cumplicidade com as nossas filhas é única, sem dúvida tem que ser trabalhada e alimentada, com esses momentos a sós, mas é um elo especial que nunca se perderá. Os teus filhos reconhecerão a dedicação e carinho incondicional que lhes dás, e disso não tenhas dúvidas. Por isso minha amiga, e como dizia a extinta Dona Paulica, “muita coragem”!

    • Responder
      mamã cereja
      1 Maio, 2015 às 11:43

      Bem, imagino a cena o continente! Pois, lembro-me bem de me falares dessa rejeição e de que tanto magoava. Sim, já está a passar e ainda bem. Obrigada minha linda!

  • Responder
    29 Abril, 2015 às 13:55

    oh pah…. lagriminha no canto do olho… sneti tanto tudo isso… mas ao contrário a grande era uma e as minis eram duas… e de vez em quando? ainda sinto…
    Bjinhos adoro ler-te 🙂

    • Responder
      mamã cereja
      29 Abril, 2015 às 14:57

      Obrigada minha linda! Imagino que vamos sentir todos os dias esses medos…beijinhos

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