Conversas

Conversas como as cerejas #1

4 Maio, 2014

Hoje apresento-vos a Mara, do blog T2 para 4

          Conta-nos como foi o momento em que soubeste que estavas grávida de gémeos.

Devido a uma situação de urgência (enxaquecas galopantes com aura visual), na maternidade, e por estar grávida de 10 semanas, fez-se uma ecografia endovaginal. Eu só rezava para que estivesse tudo bem mas tinha sempre uma dúvida a martelar-me as ideias: e se fossem dois bebés? Por um lado era espetacular mas por outro… Se fosse um casal teríamos que mudar de casa, o que seria difícil. Quem iria comprar um T2 usado pelo preço que nos faltava pagar ao banco? Entretanto, o obstetra que me atendeu com a enfermeira conhecia o meu médico de família e fomos conversando. Eu não estava muito interessada na conversa, queria ver o monitor mas estava virado noutro ângulo e eu não via nada. Além disso, o ar sério na cara da GO que estava a fazer a eco não me agradava. Aproveitei logo para perguntar se estava tudo bem e quantos bebés eram. O médico retorquiu, divertido: “Quantos quer?” e antes de eu responder, começa a equipa toda na paródia: “Está aqui um, e outro e outro e outro,… A senhora vai ter uma equipa de futebol, que giro” e todos se riam. A certa altura, a GO diz: “Está aqui outro!!!! “, ninguém acredita e desatam a rir outra vez. Ela fica com uma cara muito séria, chamou outra especialista e disse-me “Estávamos a brincar mas são mesmo dois, espere três!”. Naquele momento ficaram todos colados ao chão para, no segundo depois, se colarem ao monitor do computador, tipo crianças, “Onde? Mostra! Quero ver! Chega-te para lá! “. E eu de perna aberta… Havia, no entanto, a dúvida em relação ao número de bolsas amnióticas: havia duas bem visíveis mas também dava a entender uma terceira, embora vazia. Nem sabia o que pensar.Eu ia morrendo… Ao ver aquele espectáculo fui eu que dei uma gargalhada sonora, lá mesmo do fundo, antes de os nervos e a dores de cabeça me fazerem chorar como uma palerminha com medo de não conseguir aguentar uma gravidez assim, e logo à primeira…. Sentia-me muito feliz mas comecei a ficar preocupada com todo o trabalho, despesas, decorrer da gravidez, etc. E o raio do monitor que não me deixava ver nada! Eu queria ver os meus bebés! A equipa estava muito concentrada a tentar perceber se realmente as membranas que viam eram sinónimo de bolsas separadas mas ligadas à mesma placenta. Ecoavam palavras como “univitelino”, monocoriónica”, “biamniótica” e outras que não consigo reproduzir. Confirmaram-se dois bebés monozigóticos, perfeitamente saudáveis, cada um na sua bolsa, separados por uma membrana, enquanto a outra estava vazia. A terceira bolsa também estava unida à mesma placenta mas podia ter sido um descolamento ou, como estava vazia, o seu conteúdo ter sido absorvido nos primeiros dias de gestação. Seria uma gravidez trigemelar raríssima: três meninas gémeas idênticas… Mostraram-me os bebés e foi a melhor sensação que conheci até ao momento. Fiquei tão emocionada a ver os bebés mexer. É maravilhoso! Ouvi também os corações a bater. A equipa decidiu chamar a ambulância do hospital para me levar, pois não me deixaram conduzir. Mesmo assim, quando já estava a ambulância à espera para me levar, eu já vestida e a auxiliar que me ia acompanhar já pronta, ainda tive de voltar à marquesa para mais um round: a médica que entrava àquela hora queria ver os bebés, a membrana que os separava e a ligação à mesma placenta… A médica lá viu os meus bebés de novo, achou interessante a membrana que os dividia ou o que restava da bolsa.

Reacções com o marido: “Que bom! Era mesmo o que eu queria! Eu já sabia!” e muitos risos. Entre risos e lágrimas de alegria (e com a cabeça a latejar na mesma) comentámos que, na nossa vida, tudo vem em dobro e que devemos ter alguma conexão mística com o número 2: o nosso apartamento é um T2, temos dois carros, dois gatos, começámos a namorar a 2 de Abril, casámos duas vezes (em Janeiro, no dia 2, pelo registo civil, e em Agosto, pela Igreja), contraímos dois empréstimos (casa e carro), exercíamos duas atividades laborais, portanto, tinha toda a lógica termos também dois filhos de uma só vez! Estávamos os dois super felizes!

          Como escolheste os nomes? E como correu a gravidez?

Nomes: Eu e o marido já tínhamos pensado em alguns nomes mas não havíamos chegado a conclusão nenhuma. Ainda consultámos as listas de nomes admitidos pela Conservatória Portuguesa mas sem efeito. Eu queria nomes invulgares ou pouco usuais, como o meu; ele queria nomes que lhe soassem bem. Ainda ponderámos a troca de nomes: o nome do pai no feminino para a menina e vice-versa mas não há masculino para o meu e não gosto do feminino do dele. Pessoalmente não gosto muito de nomes repetidos na família e isso ficou fora de questão. Fomos adiando essa decisão, se fossemos prendados com uma menina; para menino, ficaria Rodrigo. Numa coisa concordámos logo: não iríamos pôr segundo nome porque nenhuma das combinações que nos surgiram me ficou no ouvido e porque ele tem um apelido invulgar que adora e não quer deixar para trás. Decidimos manter os nossos apelidos no nome da prole. Fica comprido mas assim não deixamos nunca os apelidos das mães (que com o nascimento dos netos, acabam por desaparecer). Em tom de brincadeira, dizemos que é bom para o desenvolvimento cerebral na área da escrita: quando for para a escola já conhece a maioria das letras do alfabeto! Depois de sabermos que seriam duas meninas, ficou decidido num instante, quase intuitivamente.

Gravidez: Espontânea. Mas foi muito muito complicada… E, ao contrário do que eu desejava, passei-a quase toda ou de cama ou internada…

  • de cama às 7 semanas com uma gripe;
  • medicação intravenosa para as enxaquecas cm aura visual às 10 semanas + repouso
  • contracções desde as 12 semanas;
  • suspeita de contracção de rubéola;
  • repouso relativo às 16 semanas;
  • proibição de conduzir às 20 semanas;
  • gastroenterite às 24 semanas e ameaça de parto pré-termo – internamento;
  • repouso absoluto desde as 24 semanas até ao parto e mudança de casa (temporária);
  • contractibilidade dolorosa às 32 semanas – internamento;
  • cólica renal às 34 semanas- internamento;
  • parto às 35 semanas, quase 36, por estar em trabalho de parto sem o sentir. Cesariana (posição sentada das bebés).

          O que sentiste no 1º dia em casa com as gémeas?

Um imenso alívio. Estava farta de estar na maternidade. A zona da recuperação dos partos é horrível e eu estava mortinha para sair. Estive lá 5 dias com a ameaça de ficar mais uns quantos porque fiquei com um torcicolo grave no pescoço. Então, para forçar a minha saída, lá me mexia, debulhada em lágrimas de dor. Foi tão bom poder chegar ao nosso espaço, com as mãos cheias de bebés e o coração a transbordar de alegria e um amor imenso. Foi a sensação de plenitude.

          Queres revelar ao mundo situações caricatas que se tenham passado com as gémeas?

A maioria das situações caricatas das minhas gémeas envolvem a linguagem e a descoberta dela. Como são crianças que começaram a falar muito tarde e tiveram de ser estimuladas para isso (têm uma perturbação do espectro do autismo), são as suas saídas linguísticas que mais momentos embaraçosos/caricatos/únicos provocam. Um exemplo: numa semana muito difícil em que bateram no nosso carro, estivemos todos em casa com uma gastroenterite, não podia andar com grandes apetites nem cabeça para trabalhar, fosse o que fosse. Ora, no 1º dia de regresso às aulas, uma piolha traz o TPC e eu suspirei dizendo que, com a dor de cabeça com que estava, não me apetcia nada fazer TPC… No dia seguinta na escola, a piolha e a irmã, todas felizes por estarem juntas de regresso, sacam das folhas de trabalhos da capa, acenam para a professora (que estava a conversar comigo) e diz alto e bom som:

– Não fizemos o trabalho porque a mãe não apeteceu!!!!

          O que mais adoras em ser mãe de gémeas?

Ver a cumplicidade única que só os gémeos têm e saber que, apesar das dificuldades e das adversidades, eu tenho a certeza absoluta que aquelas duas miúdas serão sempre tudo uma para a outra e nunca se afastarão. Adoro vê-las a caminhar de mão dada, a conversarem entre si sobre o que fazem e gostam, adoro vê-las brincar, comunicarem entre si só com um olhar. É único. Mesmo nos momentos mais complicados das suas vidas, não se isolam individualmente, isolam-se as duas, como se aquele mundo diferente que o autismo cria, fosse delas as duas. E isso ajuda-nos a puxá-las para nós.

É uma bênção brutal ser-se mãe de duas crianças geradas ao mesmo tempo.

          E o que mais te custa?

Fatores práticos: as despesas – essas sim! – são a dobrar em tudo: terapias, vestuário/calçado, materiais escolares, brinquedos, etc. Os descontos para gémeos não existem. E custa-me, ainda, a estupidez e a tacanhice das pessoas que acham que ter gémeos é um sinal de coitadinhice.

          Uma mãe de gémeos ouve muita coisa. Qual/quais as perguntas que mais te fazem? E como reages?

Ui, podia ficar aqui até amanhã a fazer uma lista… Mas as mais comuns são:

– São gémeas?

– São iguais?

– São verdadeiras?

– Ah, uma é parecida com o pai e a outra é parecida com a mãe

– Ah se uma dá trabalho, duas então…

– Como é que as distingues?

Reações:

Para todas as situações, coloco o sorriso postiço nº 53.

– penso: não, são clone sou hologramas. Respondo: sim, são.

– penso: dahhhh, precisa de óculos??? Respondo: sim, são.

– penso: não, são de plástico. Respondo: sim, são.

– penso: que estupidez. Elas aão i-gu-ais!!! Respondo: ah que engraçado, mas sabe, elas são iguais…

– penso: o que sabes da minha vida para falar assim? E a tua é assim tão má? Respondo: é um trabalho em série. Não é trabalho a dobrar mas sim contínuo.

– penso: colei um autocolante numa a dizer que é a original e a outra a cópia. Respondo: sou a mãe, são fisicamente iguais mas a voz é diferente, o feitio é diferente, os modo de agir é diferente…

A pior coisa que já ouvi foi de uma senhora que me disse que não tinha netas e que eu não precisava de duas crianças da mesma idade e iguais, para eu lhe dar uma. Achei aquilo horrível de se dizer. Não levou resposta. Se fosse hoje, a coisa teria descambado…

          O que mudou na tua vida?

Tudo. Descobri medos e receios que quase me paralisam; descobri que tenho uma força imensa que não faço ideia de onde vem; descobri que me sinto completa; descobri que é tão óbvio e fácil colocá-las em primeiro plano e serem a minha principal prioridade; descobri que abandonar projetos em prol delas não é sacrificar-me mas sim adiá-los; descobri que ser mãe é a melhor coisa do mundo e que já deveria tê-lo sido mais cedo!

Mudam os sentimentos que passam a ser mais intensos, genuínos. Passei a acreditar piamente no instinto e na intuição materna – e resulta! Sou muito mais plena e feliz.

          Que conselhos darias a outras mães de gémeos?

Alguns conselhos básicos e que não são muito complicados de pôr em prática: pôr as mariquices de parte e ser prático. Ser coerente e descansar. Ignorar os outros e nunca evitar a rua só por causa dos outros.

Eu perdi a conta às fraldas que mudei às minhas gémeas na mala do carro ou no sofá da sala; as vezes que caíu uma bolacha ao chão em casa e lhes disse “micróbios não comem meninas, sopra”; que pegava numa mochila com quinhentas tralhas lá dentro (e, atenção, que o desfralde delas e o abandono do carrinho foi só quase aos 5 anos) e saía porta fora com elas e dizia “vamos apanhar sol”. Não fazia nada em especial SÓ para elas, mas adaptava a nossa vida para facilitar a minha (trabalho, não tenho empregada, o marido trabalha por turnos, não posso incomodar a família sempre que me der na gana, as minhas filhas têm autismo). Tive que saber ser prática, despachada, autónoma. Gosto muito muito da minha independência. E promovo isso tudo às minhas filhas. Sempre a pus a fazer pequenos recados, a colaborar em pequenas tarefas em casa, a sentirem alguma responsabilidade.

E descansar sempre que for preciso. Eu faço-o ainda hoje. A casa pode arrumar-se amanhã e a roupa pode ser passada a ferro depois. Se nós andarmos bem, os nossos filhos também andam.

As pessoas falam do que não sabem, falam só porque sim, dizem coisas sem pensar. Não podemos deixar que isso nos afete. Se assim fosse, eu nunca teria saído de casa com as meninas até hoje porque “está calor/frio/chove”, “o carrinho não é prático”, “elas usam fralda”, “que vergonha, tão grandes e não falam/choram/etc”, enfim. Sacudir, sorriso postiço e siga.

          Gostas de cerejas?

Uma loucura. É dos meus frutos preferidos. E sabem ainda melhor quando se apanham da árvore diretamente para a boca eh eh eh É outra das coisas que promovo com as minhas gémeas: o contacto com a natureza, o saber de onde vêm as coisas, o colaborar comigo. E somos todas loucas por cerejas.

 

apanhar cerejas2

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  • Responder
    t2para4
    4 Maio, 2014 às 11:38

    Muito obrigada pelo convite e pela partilha. Foi com muito carinho e um enorme prazer que pude, de alguma forma, contribuir. Estamos muito honradas com este destaque.
    Mil beijinhos!

    • Responder
      mamã cereja
      4 Maio, 2014 às 17:31

      E eu agradeço a disponibilidade para a primeira entrevista. Entre tanta coisa que tens que fazer, arranjar tempo para colaborares foi de uma gentileza tocante. Obrigada! Sempre a seguir as vossas histórias. Beijinhos

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