Quero ser um bébé

O dia do meu aniversário

29 Setembro, 2014

Hoje faço anos. 41. E hoje faz 15 anos que este dia deixou de ser apenas o dia do meu aniversário. O meu pai morreu no meu dia de anos. Assim, a meio da manhã, depois de quase 9 meses de luta contra um cancro nos pulmões. Foram dias e semanas complicados. Há um pai que se perde, uma mãe que fica sozinha e um vazio muito grande, porque aos 26 anos um pai ainda faz muita falta. Fará sempre falta, aos 26, aos 41, aos 60, sempre.

Deixei de festejar os meus anos. O meu pai sempre adorou dar-me os parabéns, fosse porque fazia anos, fosse porque tinha boas notas, fosse porque a peça de teatro da escola tinha corrido bem. Era um homem positivo, muito bem-disposto, cheio de pinta e muita vontade de viver. Não era perfeito, tinha defeitos, talvez muitos, mas era o meu pai. E adorava-o. Tanto que a angústia que tenho por as minhas filhas não terem conhecido o avô, nunca deixará o meu coração. Tenho muita pena.

O meu pai ensinou-me muitas coisas. A nadar, a andar de bicicleta, a resolver as coisas a conversar, a não mentir, a ajudar, a ser alegre, a escrever bem português, a dar-me com os amigos dele, a ser o pai mais fixe para os meus amigos, a ter orgulho nos filhos, a viajar, a adorar fotografar e filmar. Ensinou-me a aproveitar o ar livre, a praia, os rios da Beira, a neve, os piqueniques. Mostrou-me que sou muitas vezes teimosa. Trazia um recuerdo sempre que ia passear. Levava-me muitas vezes a trabalhar com eles, muitas vezes porque era preciso ajudar, outras vezes porque eu é que não queria ficar em casa a apanhar seca. Incentivou-me a ir para a Universidade. Tinha orgulho em mim. E ficou doente.

Às vezes, lembro-me dessas imagens, da doença, do funeral. São raras, as vezes. Mas lembro-me muito mais das gargalhadas, do aperto de mão forte, das brincadeiras, de ser o Branco de Neve na praia de Monte Gordo com 7 miúdos, todos primos, que eram os 7 anões. De passar tardes a jogar dominó comigo, de entrarmos em Lisboa e começar a dizer os nome das ruas, umas a seguir às outras, tanto que hoje sei dizer de cor o seguimento das ruas desde a rotunda do relógio até à praça do comércio. De me ter levado pela primeira vez à discoteca. De nunca me dizer que não quando era preciso boleia com os meus amigos para algum lado. De ser muito amigo da família. De estar sempre disponível.

Não sei como seria o meu pai como avô. Talvez fosse igual. Talvez fosse um avô babado. Talvez. Nunca saberei. E tenho tanta pena.

Reconciliei-me com a minha data, 10 anos depois. Atendia telefonemas, recebia os parabéns, mas não havia festa, nem bolo, nem velas, nem parabéns cantados. Não me apetecia. A minha data deixou de ser apenas o meu dia de anos. E passados esses 10 anos, apeteceu-me comemorar o meu aniversário. Nada de especial. Chamei alguns amigos para aparecerem no Atenas depois de jantar, levei um bolito, abrimos um champanhe e cantámos. E foi assim, simples. Na altura, tinha estado uma década sem comprar bolos e nem sabia que era isso dos cake-designers. Fui ali a uma pastelaria encomendar o bendito bolo e quando o vi, tive uma epifania: parecia que o tempo tinha parado 10 anos, o bolo era daqueles com a palavra parabéns em creme de manteiga dourado, com aquelas bolinhas de açucar prateadas espalhadas pelo bolo, coberto com creme de ovo amarelinho, com um debruado cor-de-rosinha velho às ondinhas, um mimo, um amor. Não me custou assim tanto voltar a ouvir os parabéns. Mas também não senti necessidade. A partir daí, houve anos em que me apeteceu festejar, outros em que não me apeteceu. Sem pressões. Agora com as cerejinhas, fazemos sempre um bolo e cantamos os parabéns, serenamente.

Recordo muitas vezes o meu pai, o que mais me lembro é a presença física dele, as festinhas, o humor e as frases feitas.

Tenho saudades tuas, pai.

pai+bebe

pai+eu+serra

pai+eu+cristorei

pai+eu+quarteira

pai-a-filmar

  • Responder
    Eunice Dionisio
    23 Setembro, 2015 às 15:09

    Olá.
    Eu também faço 42 dia 29 de Setembro, finalmente encontrei algum que nasceu no mesmo dia que eu. Sou natural de Almada mas vivo actualmente em Coimbra. Adorei o teu blog, beijos e até breve.

    • Responder
      mamã cereja
      23 Setembro, 2015 às 16:33

      Ohhhhh, que giro!!! E pelos vistos, trabalhamos perto 😉

  • Responder
    catarina
    15 Outubro, 2014 às 14:21

    <3 … como é tão isso Carla, perder alguém que nos faz tanta falta! Beijocas para todos

    • Responder
      mamã cereja
      15 Outubro, 2014 às 14:50

      <3 É verdade! Beijinhos querida.

  • Responder
    Eduarda Lopes
    30 Setembro, 2014 às 9:55

    Pronto mais uma lágrima! Tens esse poder*, as tuas histórias, contadas como as contas soam bem, sendo felizes ou tristes….és assim, uma estrela também*
    História triste mas com recordações deliciosas…..já eu não posso contar quase nada porque tinha 5 anos quando fiquei sem ele….mas tal como tu, sou feliz, alegre e sabes que mais, tenho sempre uma fonte de inspiração* (vidas). Um beijo grande do tamanho do mundo para ti*…também inspiras* MUITO 😉

    • Responder
      mamã cereja
      30 Setembro, 2014 às 17:41

      Ó minha querida, não sabia. Mas todas as recordações, muitas ou poucas, são nossas e sabemos o que significam para nós. Sim, a vida é a coisa mais inspiradora que existe!!!! Beijinhos minha linda. Adoro-te!

  • Responder
    t2para4
    30 Setembro, 2014 às 8:34

    E aposto que o teu pai ficou todo feliz quando te reconciliaste com a data. E, se reparares bem, ao festejares o teu aniversário, estás sempre a recordar uma parte dele, uma parte que viverá sempre. E poderás partilhar com as tuas cerejinhas e cerejinho, como era o avó, mostrar estas mesmas fotos, falar dele com todo este carinho. E cantar os parabéns e mandar um beijo ao avô.
    Parabéns para ti, pelo teu aniversário e pela tua coragem.

    • Responder
      mamã cereja
      30 Setembro, 2014 às 17:40

      Obrigada pelo teu olhar, por esta forma de ver as coisas. Sim, agora mostro fotos às cerejinhas e elas sabem que é o avô. Conto-lhes muitas histórias de quando eu era pequena; vou acrescentar algumas com o meu pai. Obrigada querida <3

  • Responder
    Ana Coelho
    30 Setembro, 2014 às 1:04

    e que orgulho que a tua “estrela maior” deve ter em ver-te assim…como és! Um beijo grande…muito grande!!! ♥

    • Responder
      mamã cereja
      30 Setembro, 2014 às 3:53

      Obrigada querida Ana. Um beijinho <3

  • Responder
    Claudia Duarte
    29 Setembro, 2014 às 22:13

    Já me puseste de lágrima ao canto.
    Adoro as fotos!
    Reconheço o beicinho da primeira na tua L.
    Aposto que seria um grande avô para as brincadeiras!
    Aposto que É um grande pai e avô babado das suas meninas!
    Aposto que gosta que te cantem os parabéns!

    • Responder
      mamã cereja
      30 Setembro, 2014 às 3:53

      <3 <3 obrigada querida amigaaaaa!

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